terça-feira, 27 de junho de 2017

Grande Entrevista no Jornal "A BOLA" com o "Chico" Vital...dias antes de apresentar-se no Sport Lisboa e Benfica


No Jornal "A BOLA", do dia 17 de Julho de 1980, foi publicada uma grande entrevista com o "Chico", com direito a primeira página, tendo por título, no canto inferior direito..."Depois de Sevilha...Vital quer vencer no Benfica". A entrevista de fundo, conduzida pelo jornalista Alfredo Barbosa, surge-nos na página 5, continuando e finalizando na página 12, com o título: "Vital depois do Porto e Sevilha...Quero ser titular e Campeão pelo Benfica"...

Nesta entrevista, o "Chico" abordou, sem tabus, toda a sua carreira no futebol português, até aquele momento...Assim:

"Após alguns dias de férias no Algarve, Vital regressou à sua casa no Porto, e, onde nos concedeu esta entrevista. No dia 24 [de Julho], estará no Estádio da Luz para se submeter, juntamente com os restantes reforços benfiquistas, às habituais inspecções médicas. O ex-portista e ex-bético entra no Benfica com grandes objectivos:

- Primeiro que tudo vou lutar pela titularidade e estou convencido de que tenho de lutar muito para conseguir impor-me. Depois quero ser campeão nacional [o que acabou por conseguir] e ajudar o Benfica a recuperar o seu prestígio europeu.

- Vital acha que, ao falar assim, não está a pensar em «impossíveis» e explica:

- O Benfica está a reestruturar-se e a seguir uma política de aquisição e de movimentação de jogadores para poder dispor de um grande «plantel» como noutros tempos. Estou convencido de que, desta forma o Benfica vai voltar a ser aquilo que era.

E adianta:

- Quando me transferi do Riopele optei pelo F.C. Porto em detrimento do Benfica porque o F.C. Porto me dava a entender que seria o clube melhor organizado e apetrechado e o ideal para eu me promover futebolisticamente. Agora parece-me que o Benfica também está nesse caminho e como não tinha posto de parte regressar ao Benfica...

-Onde foi juvenil, júnior e sénior...

- Como júnior, fui uma vez campeão nacional e sagrei-me o melhor marcador com mais de cem golos. Na altura, falava-se que nunca nenhum jogador tinha conseguido marcar tantos golos numa só época, que conseguira, bater um «recorde» do Camolas [de seu nome José Carlos da Silva Camolas, avançado que se destacou nos inícios dos anos 60 nos juniores do Benfica, tendo-se, posteriormente, destacado no União de Tomar e Belenenses, por não ter vingado na Luz]. Na minha primeira época como sénior, fui emprestado, ao fim de alguns meses, ao Famalicão, mas ainda integrei, nessa temporada, uma equipa mista [de juniores e séniores] do Benfica que efectuou uma digressão aos Estados Unidos. Depois do Famalicão, tinha de regressar ao Benfica, mas o meu pai achou que eu devia acabar o curso e mandou-me regressar a casa. Foi assim que regressei às Caldas da Rainha (eu «nasci» para o futebol nos juvenis do Caldas), fiz o curso de Formação de Montador Electricista e passei a jogar no Marinhense, emprestado pelo Benfica. No final dessa época, fui cedido ao Riopele aonde joguei três anos. Era benfiquista ferrenho e o Riopele entrou no meu coração, passando a ocupar um lugar importante. Fui o melhor marcador dois anos da Zona Norte [da II Divisão Nacional]. Depois transferi-me, como sabe, para o F.C. Porto, assinando um contrato de quatro anos, que só não chegou ao fim porque fui para o Bétis.


PEDROTO E FERREIRINHA...

- No F.C. Porto nunca chegou a impor-se como titular indiscutível...

- É um facto que não, mas fui o único jogar que participou em todos os jogos durante os quase três anos que lá estive. Se não entrava de princípio, acabava por entrar a substituir algum companheiro.

Nota Vital:

- Apesar de não ter sido um titular indiscutível, estou consciente de que contribui com uma boa quota-parte  para que o F.C. Porto fosse campeão. E estou convencido de que se me tivessem sido dadas mais oportunidades teria ido mais longe. Com isto, não quero dizer que não me tenham sido dadas oportunidades. A verdade, reconheço, é que era muito difícil haver lugar para todos num «plantel» como o do F.C. Porto. Aliás, devo dizê-lo, por ser justo, que o sr. Pedroto, foi o melhor técnico que tive até hoje - o mais completo em todos os aspectos. Mas o treinador que melhor soube aproveitar as minhas qualidades foi Ferreirinha, no Riopele. Acho que tenho sido injusto com ele ao não citar, nas minhas entrevistas, este aspecto.


OPÇÃO PELO BENFICA...

Conta-nos Vital que o Benfica, logo que soube que havia possibilidade de contratar, o contactou telefonicamente para Sevilha, através de Gaspar Ramos. Depois teve um encontro, nas Caldas da Rainha, com Ilídio Fulgêncio.

- Nessa altura - observa Vital - já tinha acordos de verbas com outros clubes, mas não estava comprometido com nenhum. Um desses era o Belenenses, por quem fui acusado publicamente de ter faltado ao prometido. Não é verdade, pois a todos respondi que só me decidiria depois de ver as condições que me ofereciam - não só as condições materiais, mas também, de trabalho.

- O que o levou a optar pelo Benfica?

- Foram sobretudo, as perspectivas de futuro que se lhe abrem. Havia clubes que me ofereciam melhores condições financeiras.


NEM TUDO FOI MAU...

- Vital, fale-me da sua experiência espanhola.

- Foram três meses e meio que valeram a pena, apesar de tudo. Primeiro, porque o ingresso no Bétis deu-me a possibilidade de ganhar mais um pouco, embora, na prática, não tenha sido tanto quanto poderia ser, pois tive de dar dinheiro para me desligar e poder ingressar no Benfica. A minha ida para o Bétis e, agora, a minha entrada no Benfica trouxeram-me, penso, a compensação de me desligar de um contrato baixo - que era aquele que possuía com o F.C. Porto, apesar de ter sido actualizado - e passar a dispor de um contrato ao nível do que vem sendo pago aos melhores valores do futebol português.

- Porque não se impôs no Bétis?

- Primeiro que tudo foi um problema de adaptação. Não me adaptei à maneira de viver espanhola, mas sobretudo, á maneira de ser do técnico que tinha. No capítulo das relações humanas, Luis Carriega é um desastre. Falava dos estrangeiros de uma maneira muito desagradável, incluindo [António] Oliveira [que tinha passado pelo Bétis]. Eu chegava ao estádio, dava-lhe os bons dias e ele não me respondia. Falava com sarcasmo dos oriundos. Na primeira palestra que proferiu, disse que preferia ser recordado como má pessoa do que como boa pessoa. E a verdade é que uma pessoa é mesmo obrigada a ficar a lembrar-se dele. Durante os estágios, ia aos quartos de uns dizer mal de outros e, depois, saía para outros quartos dizer mal de outros. Sinceramente, para mim, ter Luis Carriega como treinador foi um choque muito grande, porque ia habituado a boas relações humanas.

Junta Vital:

- Carriega domina a Imprensa e «joga» muito com os jornalistas. Faz «mafia»

- Você foi vitima dessa «mafia»?

- Em parte fui. Muitas das coisas que eu dizia em entrevistas eram deturpadas e viravam as pessoas contra mim, para além de aparecerem entrevistas que eu nunca tinha dado. Lembro-me que uma vez me perguntaram se o F.C. Porto jogava com extremo-esquerdo fixo (nessa altura era muito falado o Costa) e eu respondi que sim, naturalmente; pois saiu na entrevista que o Bétis tinha de comprar outro extremo-esquerdo. Mas essas deturpações não aconteciam apenas em relação a mim, na imprensa sevilhana.

Não deixou de observar Vital:

- Com isto, não quero dizer que tudo tenha sido mau. O ambiente entre os jogadores do Bétis era extraordinário e fui bem recebido em Sevilha por muita gente.


PREPARAÇÃO «À MODA DO LESTE»

Vital confessa-nos que não conseguiu adaptar-se aos treinos ministrados por Luis Carriega.

- Eu ia habituado a uma preparação diferente, quer em qualidade, quer em quantidade. No Bétis, acontecia que o preparador físico dava o esquema do treino e, depois aparecia Carriega, ao fim de duas horas «no duro» a começar tudo do princípio. Era uma preparação saturante e que abusava dos exercícios de potência. Não tardei a verificar que as minhas massas musculares haviam aumentado e tinha perdido velocidade. Isso aconteceu com jogadores rápidos como [o inglês] Cunnigham e o Oliveira.

Assinala Vital:

- Eu não pretendo tirar mérito à preparação que Carriega dá, porque na verdade, depois que ele tomou a sua orientação é que a equipa recuperou classificativamente. Em face disto, até poderei estar em parte, errado na minha observação.

- Mas decidiu abandonar o Bétis depois que teve conhecimento de que Carriega iria continuar, na próxima época...

- Pois decidi, porque realmente, não consegui adaptar-me à forma como ele se conduzia nas relações humanas. Eu conseguiria adaptar-me com o tempo à preparação, mas ao seu trabalho não. Recebi até ao último momento palavras amigas de «aficionados» do Bétis, que me diziam que eu tinha valor para me impor. Eu penso que, apesar de ter estado pouco tempo no Bétis, algo do meu valor icou demonstrado. E uma coisa verifiquei: o jogador espanhol tem mais espirito de sacrifício do que o português. Concordando ou não, mal ou bem faz sempre o que o treinador lhe manda. Vi equipas das categorias mais jovens a treinar com mais dureza que, cá, em Portugal...Parece-me, no entanto, errado que, numa cidade como Sevilha, se ministre uma preparação semelhante às dos países de leste.


PÊSSEGOS, BANANAS, FRITOS...

Conversamos com certa informalidade, e Vital fala-nos dos estágios no Bétis:

- Comem-se pêssegos e bananas nos estágios, os frutos proibidos aos jogadores de futebol em Portugal. Comem-se dois pratos - um de peixe e outro de carne -, além da sopa. Os pratos de carne e peixe eram à base de fritos. Eu comia o peixe ou a carne, ou a metade de cada, não rapava o prato, e escolhia, normalmente, o peixe. Depois dos estágios, voltava aos meus grelhadinhos.

Continua Vital a contar:

- Para fumar, os jogadores tinham que o fazer às escondidas.

- Davam vinho às refeições?

- Uma garrafa para cada quatro. Eu normalmente, não bebo, durante  época futebolística. E não fumo, como tem visto.

Acrescenta Vital:

- O jogador espanhol faz pelas costas o que o jogador português faz pela frente. Para sair à noite com a mulher a uma discoteca é preciso andar às escondidas. Em Portugal, no entanto, encara-se com a maior naturalidade que o jogador vá, no seu dia de descanso a uma discoteca. Esquecia-me de dizer que, no Bétis, não havia dia de descanso: quando não treinávamos, jogávamos. Leva-se uma vida muito presa, no futebol espanhol. Em três meses e meio, saí uma vez de casa, quando lá foi o meu pai visitar-me. O que acontece lá, é que o jogador de futebol tem mais popularidade do que aqui.


QUASE SÓ «BECOZYM»

Vital diz-me também, que treinava de manhã, mas que os treinos, na sua opinião, devem ser à hora dos jogos.

Depois, pergunto-lhe se alguma vez se tinha «dopado»

Vital nega e afirma:

- «Droga nada» dizia Carriega. Não sei se alguém tinha «farmácia particular...Eu não me droguei, nem fui drogado.

- E a vitaminização? - indago.

- Era muito pobre. Davam-nos quase só «Bécozyme» [uma vitamina dada para esforços físicos mais excessivos] injectável e Vitamina C dissolvida na água. O F.C. Porto está, como sabe, muito bem organizado, também, nesse aspecto e teve que sentir a mudança. Quem me ajudou foi o Vitor Hugo que chegou a mandar-me complexos vitamínicos.

Aproveita Vital para contar:

- Uma ruptura, aqui, cura-se com descanso; lá, dão umas massagens que obrigam os jogadores a roer as toalhas e a chorar. Eu vi «gajos» valentes a gritarem. Só pedia a Deus que nunca tivesse nenhuma ruptura. O departamento médico do clube é muito pobre. Quando surgem casos mais graves, há o recurso a variadíssimos médicos que dão apoio ao Bétis.

Observa:

- Constitui, para mim, um choque muito grande sair de um clube onde tudo estava minuciosamente organizado, como acontecia no F.C. Porto, para outro como o Bétis.

Entrevista a terminar, Vital a falar novamente do seu regresso ao Benfica:

- Não vou ter problemas e adaptação ao Benfica, porque já conheço a casa e todos os colegas que vou encontrar. Alguns jogaram comigo nos juniores como o Shéu, o Bastos Lopes, o Pietra, o Alves; os mais antigos, Nenés, Humbertos, já os contactava nessa altura; e os mais novos tenho contactado na Selecção de «Esperanças». Vou para o Benfica para lutar por um lugar e espero conseguir esse objectivo com trabalho e ajuda dos meus colegas".



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